O bicho homem, aprendemos desde cedo, foi premiado na loteria da criação com o intelecto. Entretanto, a honraria, vez por outra, nos faz esquecer que também somos bichos, apenas um entre tantos fios com os quais a natureza tece sua teia. Felizmente, a mãe primordial chama os filhos à sua casa, como o colo, sempre aberta à visitação. Debruçados sobre campos, mares, montanhas ou lagos, sentimos com todos os poros que só ali teremos a chance de recobrar o viço, calibrar o relógio biológico, endireitar o mastro. É por isso que tanta gente se refaz do desgaste cotidiano nos braços da mãe terra. A alquimia desencadeada pelo dueto homem-natureza se inicia pela constatação de que, enquanto nos ambientes naturais todos os atores se tocam e se interpenetram de forma espontânea, no cenário urbano somos educados a viver de maneira arquitetada. A natureza nos lembra que podemos nos desvencilhar de excessos e cobranças sem sentido e resgatar a simplicidade perdida. É por isso que ela tem esse potencial curativo.
Quem nutre maior afinidade com a terra pode retirar os sapatos e pisar no solo, ou então, recostar-se no tronco de uma árvore. Os aquáticos podem se banhar; os adeptos do ar, oferecer o rosto ao vento; já os amantes do fogo, se aquecer pertinho das labaredas. Ecoa a voz de Alberto Caeiro, heterônimo do poeta português Fernando Pessoa, que não se distinguia da natureza amada. Por isso, dizia: “Não tenho filosofia, tenho sentidos”. Esse estado de comunhão faz com que finquemos nosso ser no momento presente, fonte de paz e “adubo” para vivermos de forma mais criativa, cuidadosa para consigo mesmo e para com os outros e repleta de vitalidade. A neurociência tem tudo isso mapeado. Os períodos transcorridos na calmaria de paisagens selvagens como uma praia deserta permitem que a massa cinzenta – quase sempre fervilhante – experimente o sossego, um estado mental de relaxamento cognitivo, em contraste a estados de esforço mental constante, que são característicos das atividades diárias da vida moderna. Em ambientes naturais, sem edifícios, rodovias e congestionamentos, a mente é induzida a se voltar para dentro, dando folga ao aparato cerebral e, consequentemente, ao organismo como um todo. Nesses preciosos instantes, recebemos uma lufada de mansidão. Já quando perambulam pelos centros urbanos, os indivíduos veem sua atenção ser drenada pela baderna de estímulos forjados pelo homem. Logo, o cérebro projeta as antenas para fora e superaquece.
Ao entrar em contato com a natureza, o homem interage consigo mesmo. Essa proximidade resgata o ritmo orgânico que perdemos na velocidade da vida urbana, equilibrando novamente nosso 'relógio biológico'. Não nos esqueçamos de retornar à casa, aos braços de nossa mãe natureza. Vamos perpetuar o espírito de Alberto Caeiro.
Via
"O melhor remédio para os amedrontados, solitários e infelizes é sair, ir a um local em que possam ficar a sós, com o céu, a natureza e Deus. Só então você pode sentir que tudo é como deveria ser, e o que Deus deseja a felicidade das pessoas em meio à beleza e à simplicidade da natureza. Enquanto isso existir – e deve existir para sempre -, sei que haverá consolo para toda tristeza, em qualquer circunstância. Acredito firmemente que a natureza pode trazer conforto a todos que sofrem."
Anne Frank