Teria eu algum defeito ou distúrbio por não idolatrar nada nem ninguém? Não me prender a nada? Hoje quase não sinto falta de alguém para seguir, para acompanhar, para se apegar. Uma pessoa ou coisa para amar incondicionalmente com aquela intensidade mortal. Quase não sinto falta de muita coisa. Virei um pássaro acrobata que corta o ar e não se apega a nenhuma árvore. Que só quer ir por aí, sem construir ninhos ou laços fortes com moradores e casas aconchegantes. Não quero uma gaiola, um sentimento intenso, forte e desesperador. Quero a leveza, quero as asas brancas como bruma, quero poucas opiniões formadas acerca do mundo e mais abertura para absorvê-lo em minha pele. Quero palavras destrajadas de máscaras, frutas sem cascas, feridas abertas.
Quero ser o pólen que vai com o vento, amadurecer nas tardes, a cada pôr-do-sol que me toma, a cada gota de orvalho da manhã que chega. Não quero ruído, estardalhaço, quero o silêncio da água brotando na nascente. Não quero guarda-chuva, não quero fugir. Quero sentir. Quero ser gato no telhado, olhando as estrelas, saindo e voltando na hora que meu íntimo me disser que é melhor. Não quero linhas, traços retos, fixidez. Quero as curvas da estrada, aquelas mais perigosas. Quero envergar como uma bailarina, me proponho até mesmo a quebrar. Quebrar e me consertar, como a vida pede. Criaturas livres, sorrisos soltos, olhos abertos, o grito tão sufocado arrebentando a garganta. É assim que quero ser. É assim que devemos ser.