Todos os dias eu era acordada cedo pelo canto dos pássaros na Pitangueira da janela. Com um sorriso doído nos lábios eu abria as cortinas leves de voal, deixava o sol entrar e tirava a camisola de renda branca. Ia para a cozinha preparar um chá de camomila enquanto ouvia o silêncio da casa. O seu travesseiro estava no mesmo lugar. Às vezes eu o abraçava à noite para suprir a falta do seu calor vindo do canto esquerdo da cama. Às vezes algumas lágrimas borravam meu delineador preto e sujavam a fronha.
Lá fora eu caminhava na terra molhada, enquanto deixava a luz me tomar, na tentativa de preencher de alguma forma o vazio que você deixou. Na gaveta do criado mudo algumas cartas ficavam intocadas, assim como o telefone: intocado. A televisão já não era ligada há meses. O trabalho e os pensamentos não deixavam tempo para isso. As notícias chegavam por meio das amigas, que apareciam no sábado para almoçar comigo, sempre trazendo uma garrafa de vinho branco, meu favorito. Pelo menos amigas eu ainda tinha.
Domingo era dia de ressaca, de ficar deitada assistindo filmes de romance, comendo pipoca com sorvete e pensando porquê as pessoas fazem esses filmes com histórias tão iludidoras. O filme, como toda história, tinha fim. E eu começava a cantarolar canções de letras bonitas, letras que eu poderia cantar para você, se ao menos desse notícias, um sinal de fumaça, uma latitude, coordenada. As chaves eu deixava naquele vaso de plantas empoeirado que você me deu no nosso aniversário de 3 anos, esperando você chegar a qualquer momento e usá-las, já que você tinha devolvido suas cópias.
Nas horas vagas eu ia para a biblioteca, olhava os buracos que você deixou entre um livro e outro, então sentava meio torta na poltrona, prendia o cabelo, respirava fundo e tentava me afogar em alguma história. Mas nenhuma história além da nossa se passava pela minha cabeça. Então eu calçava os chinelos, tentava cozinhar, mas nada se comparava ao seu tempero, em todos os sentidos.
E os dias começaram a amanhecer nublados. Era o inverno chegando. Enchi a casa de cores, liguei o rádio, coloquei Chico pra tocar, dei uma risada: eu estava esquecendo sua fisionomia. O passado era nada mais que um rastro deixado para trás. O mundo estava voltando a girar. E eu poderia ler vários livros.